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sábado, 8 de janeiro de 2011

O romântico e a moça louca

Com a realidade a permear-lhe o inconsciente do sono, ele estava se acostumando com a luz do quarto, a luz da manhã. Ainda tinha a cabeça no travesseiro pensado no que fizera e no que não fizera na noite passada. Lembrou que estivera com sua namorada num restaurante. E como um baque em sua vida, no corpo e tudo mais que era, lembrou das palavras da namorada, lembrou e vivenciou, pois aquelas palavras o machucavam. Tudo se deu ao final da refeição, depois que passaram uma hora e meia juntos. Ele sentindo-a fria, programada, contida. Distante. Foi então que ela pediu para conversar. Disse a ele que estava estranha, que tinha uns planos e que não conseguia, por mais que tentasse, ele nunca estava neles. "Acho que estou precisando de um tempo", ela disse. Ele deitado na cama, viu o quanto a noite passada não havia sido agradável.
Levantou-se da mesa e saiu. Com lágrimas nos olhos, ela levantou devagar, contida, sendo uma estranha na mesa. E antes de sair e dar as costas para ele, virou e disse: "Desculpe-me". Ele ficou calado lá, olhando no infinito. Então veio o garçom e perguntou para ele se estava tudo bem. Ele se lembrou de que estava num restaurante. Pagou a conta e foi embora.
Levantou da cama e foi ao banheiro. Assim que pôs os olhos no espelho, algum vizinho maldito colocou umas músicas românticas, "eu tenho tanto pra te falar...". Ele chamou o vizinho mentalmente de desgraçado e mais alguns palavrões. Hoje ele não precisava de um vizinho romântico. Poderia ficar em silêncio. Hoje não, hoje é dia do outro ser feliz, assim como você já foi. Ainda se olhando no espelho, lembrou que no dia anterior ficou andando na cidade com as luzes todas acesas e a solidão como companhia. Poderia ter entrado em algum bar, ter enchido a cara de álcool. Mas não, sentou numa praça da cidade e chorou. Como quem não tinha mais chão, vida e ar pra respirar. Se afogava nas suas lágrimas. E quanto conseguiu voltar um pouco ao normal, com o rosto inchado começou a andar em direção à sua casa.
Lavou o rosto, escovou os dentes. A música do vizinho continuava "eu te amo, eu te amo". Deu uma risada irônica, com raiva, deu um muro no lavatório do banheiro. Foi à cozinha e pegou algo na geladeira para comer. Enquanto enfiava a mão na geladeira lembrou que ligou várias vezes para ela. Que ela atendeu a primeira vez, e não disse nada. E as mesmas palavras da música que tocava ("eu te amo, eu te amo") ele disse para ela, soluçando no próprio choro. Depois ela não mais atendeu. Antes de desligar ela disse "não dificulte as coisas". E tudo era silêncio do outro lado.
Comeu o que havia dentro da geladeira. E mastigando e pensando, chorava. De vergonha. De raiva. De não poder controlar-se interiormente. Mesmo achando besteira chorar, ele o fazia. Sempre disse que nunca iria chorar por alguém que amasse ou amou. E ali estava a foto, ele na mesa da cozinha chorando. O "nunca" tem um poder forte, e sempre contrário ao que fora dito. Tentou voltar a si, tentando dizer para ele mesmo "Ok, já foi. Agora é continuar a caminhar". Mas caminhar sem ela, e os planos que teria que modificar e refazê-los. Continuar a vida e pensar só, sozinho. Pegou o que estava na sua mão e jogou por aí. Disse alguns palavrões e esbravejou contra o vizinho e suas músicas. A felicidade do outro incomoda o próximo.
Levantou e disse que nessa lama não mais ficaria. Iria sofrer, mas tentaria reverter a situação. Alguém há de vir pra mim e que me mereça. Foi em direção do banheiro novamente, iria tomar banho. Quando fechou a porta do banheiro, escutou uma sirene soando forte. Foi até a varanda pra ver se era por ali perto. Pensou que estava pegando fogo em algum lugar, ou no prédio dele mesmo. Então viu que a ambulância estava ao pé do prédio. Todo um agito e muitos vizinhos. Saiu, imaginando que podia ser com alguém que ele conhecia. Foi ao corredor do seu andar.
Um vizinho disse: "Parece que alguém se matou!" Os dois desceram até o hall do prédio e descobriram que quem se matara era o homem apaixonado, o do som alto. Quando entendeu que quem morrera era o tal que escutava as músicas românticas, uma moça louca entrara berrando o nome do suicida. Gritava como se fosse fazer o morto falar e andar. Dizia coisas como: "Ele falou que iria fazer isso", "Não era pra ser assim", "Se eu tivesse aguentado mais um pouco".
O discurso da louca foi assim até que alguém a pegou, a levou para dentro de um quarto e a acalmou. Piorou quando retiraram o corpo do rapaz do apartamento. Ela quase arrancou o cabelo todo. O moço de coração partido da nossa história voltou a sua casa e voltou a viver sozinho e refazer seus planos. A sua moça voltou a ligar, mas ele nem deu ouvidos. Seis meses foram suficientes para ele esquecê-la, ou então deixá-la escondida bem no fundo do inconsciente, na sua caixa preta. Pôs o monstro pra dormir. O que nos é importante e nos preocupa é a moça louca que deixou o rapaz e o fez se matar. É ela que dará mais uma história. Mas deixe-a pra lá, sabemos que muita terapia será feita, o trauma já ficou. A moça louca fica pra próxima história. Pra esta história fica o saber que a tristeza de uns é igual, mas são poucos os que suportam. 
                               
                                                                                                   Por João Azevedo

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